quinta-feira, janeiro 17, 2008

Moribundo

Hoje, outra vez,
Trocava o peito pelo despeito
Por que me dói e não me ajeito
Nesta farpa que tu não vês.
Conto os dias – já dezenas,
Em que o lume é labareda
De que de tudo se alimenta
E que me apaga a lucidez.
Fui já outro que não conheço,
E se me recordo logo me esqueço,
Porque o fogo queima outra vez.
Ardem-me as vísceras – as entranhas,
E nem com dúzias de artimanhas
Das ciências mais polidas
Me arrefecem as feridas
Que adormecem de quando em vez.
Mas hoje, outra vez,
Iludido pela esperança
Anseio pela mudança
Que me arranque deste arnês.

HOJE VOU DORMIR CONTIGO, PRINCESA.

sexta-feira, outubro 05, 2007

O Paraíso

Conheci a menina do cabelo fiado a ouro e olhos de cor de ameixa. Corria desajeitada e deixava no rasto o azul do vestido. Mergulhava na relva e enrolava-se nos amarelos das flores enquanto eu a perseguia com o olhar. Sem saber porquê, deixei que o corpo seguisse os olhos e fui atrás dela, enquanto me atirava sorrisos e olhares por cima do ombro e me levava preso no caminho. Cheirava a erva doce e dobrava o riso. E eu… eu fui seguindo – atraído pelas formas e pelo jeito. Já só queria ser dela e que ela fosse minha. E queria encher a barriga de beijos e suspirar de contente. Queria que ela não fugisse. Só queria as primaveras e o som das folhas a crescer. Queria um abraço - AQUELE abraço”!
Mas veio o Outono e o sol mudou de canto. O vento batia e a luz cinzenta caia do céu. Espreitava agora o cheiro a terra molhada e o rodopio das folhas no chão davam música ao espaço. A menina fugira. Teria encontrado outro jardim? Seria agora o dia noutro jardim? Já não é ameno aqui, e o frio que me cai nos ossos faz-me companhia. Estou abraçado ao banco do jardim que agora é a memória de outras vidas. Sou sozinho sempre que a espero e espero-a para que me faça companhia. Quero as juras eternas e as promessas constantes; os puxões desmedidos e os olhares penetrantes. Quero ser dela e que ela seja minha.

quarta-feira, setembro 12, 2007

CORPO VAGO

Vou deixar cair da boca palavras, tantas quantas me lembrar. E sem filtros nem pudores, nem esperar pela censura que me pode calar de medo, vou chamá-La aos gritos. Vou choramingar-lhe no ombro sempre que não me sentir. Preciso que ela me morda as entranhas e me arranque do tédio que é o dia em que não penso. Sou de mil amores mal amados, derrotado em todas as batalhas, ex-protagonista de contos de fadas e historias de encantar. E para sugar a vida, preciso da dor do pecado. Preciso da lamúria e do arrependimento, do perdão expresso por gestos meigos que me façam sentir querido. Sinto que nem criança que chora por querer mamar. Preciso do fundo do poço para ir ao cimo da vida e novamente sugar. Sou constantemente inconstante. Choro de tanto me rir e rio de tanto me doer quando choro. Vou viciando tudo o que toco porque é assim que quero – “diz antes assim! Não digas dessa forma porque eu não gosto.” Sou o filho pródigo que volta sempre a casa, mas nunca à sua, porque tremo só de pensar que já não me recebem numa corrida de boas vindas. Espero que me queiras sempre nos teus caracóis e nessa pele rosada. Acredita que sou só humano. Sou tão só humano que me esqueço que sinto. (E sinto tanto.) Vou deixar cair da boca palavras, tantas quantas me lembrar. Vou dizer que quero casar-te comigo e jurar-te constantemente constância. Sou assim quase humano porque tenho na voz da citara o amargo do fel e no fado da vida um feitiço que me consome a carne do corpo e só me atira ao chão.

sexta-feira, junho 29, 2007

Enquanto os Deuses mergulham no Hades

Mata-se o pai do filho porque o filho matou uma mãe e não era a dele. Rouba-se o filho à mãe porque uma mãe não pôde ter filhos. Segue-se a pista do «filho da mãe» que raptou o filho do outro porque o “queria”. Rebenta-se com pais, mães e filhos porque esses não são filhos do Pai. E o Pai ri-se dos filhos que andam na terra sem lei. Revoltam-se brancos e pretos porque um não tem a cor que o outro tem. Rezam judeus aflitos porque querem «casa» também. Queixa-se o pobre e o rico porque a vida não lhes corre bem. Chora de fome, o «sem abrigo», porque vê a fartura nos outros e a dele não vê ninguém. Reclama-se a culpa do estado e o estado foi para fora porque: “queixosos não convém”. Há quem bata, quem queime, quem mate, quem esfole, quem roube, quem minta, quem expluda, quem rapte, quem viole e quem sinta ódio por alguém. E, quando olhamos para o umbigo, dizemo-nos tristes porque temos a barriga farta, a boca ainda a saber a mel e na carteira trinta notas de cem. E eu!? Eu sou filho de um pai, que mal conheço, da mãe que mais que amo, irmão de um menino a quem adoro, e a vida corre-me bem. E quando não tenho quem durma comigo, porque não amo (não consigo), adivinho-me sozinho qual «Zé-ninguém». Mas se olhar bem lá para o fundo, onde a criança que veio ao mundo, que não dorme porque a fome, a orfandade, a pólvora, os restos dos outros, o trilho que lhe roubou a perna, e a má sorte o fizeram refém, olho com tanta vergonha do meu queixume, que se me soubesse calar, ouviria nas vozes dos outros a quem não apresentaram sorte, que o que lhes pertence é a certeza da morte e que vida lhes ficou aquém.

segunda-feira, maio 28, 2007

TRAIÇÕES

Por mais que passem horas ou dias, por mais que nos contem os anos, havemos de ser sempre isto – restos de amantes. Eu calo e escuto e tu não falas. Eu falo e digo e tu não vês. E, quando olhamos para dentro, vemos o lado que não te deixa ficar e a mim partir. Agora diz-me que este fado não era meu. Promete-me que um dia a paixão vem ter connosco. Nem sempre te quero de tal forma que me faça só para ti. Somos tão pouco amantes e tão mais que amigos que me flagela o delírio de ser teu. E lado a lado do nosso mundo vai aquele em que nem sei que cobardias te gelam. Mas neste… neste, conheço-te bem mais do que mereço, e nem sempre quero. Pede um desejo e completa. E não temas quem não te quer, porque todos te querem mais que eu, e eu, mais que aqueles que te desejam. Olha para o lado e vê, porque no dia em que mais me quiseres eu estou de lá, do outro lado.

quinta-feira, maio 17, 2007

A maça de Eva

O anjo do mal em tons de branco e claro. A voz… o rosnar grotesco amaciado com olhos de mel. A atitude de desdém na fragilidade de um bem-nos-quer. Agridoce. A vida de quem viveu pouco e sente de mais. A expressão de quem está, depois viaja e finge que volta. 19 encaixa bem mas perfeito é mais que isso. Um passo para o lado e dois para trás. 10 a 0. Mas, afinal de contas, ninguém conhece ninguém… Podias ser tu, mas também podia ser ela. Quanto é que me dás?

terça-feira, abril 10, 2007

A grande jornada, o reencontro e a feliz despedida.

E por momentos (largos) ele fez-se pequenino. Já não tinha o tamanho de quem empina o nariz, e quase que se ouvia o ranger dos ossos do seu corpo, que se sobrepunham uns nos outros tal era a pequenez que sentia. Arrastava os pés por cima das folhas que cobriam quase a totalidade do espaço em que se escondera durante meses. Arrastava-se porque lhe pesava a pele. Lembrava-se constantemente de um filme que vira quando era criança. Um menino que tinha como melhor amigo um balão. Pena não ser ele outra vez menino…e também balão. Queira ser menino e dizer que não queria ter daqueles “momentos”. E ser balão e poder fugir para o alto do céu e olhar do cimo. Mas o claustrofóbico espaço em que varria cada passo, não era só um pequeno espaço, era também a sua grande prisão. E, todos os dias, descansava a testa no vidro quebrado da sua janela, à espera. A única coisa que via, era, seis degraus de uma escada, de um prédio que lhe tapava todo o ângulo de visão. Mas era ali, nessa escada, nesse prédio, que estava o vento que precisava para esticar asas. Era mesmo ali que começava a “outra vida”. Mas o medo era muito e a coragem nenhuma. As memórias que guardara, tinham raízes que quase lhe tomavam o lugar das veias e não se conseguia apartar delas. Mas o dia tinha de vir. O dia em que montava um grande cavalo alado e entraria naquele prédio, subiria aqueles degraus, resgataria o que era seu, e partiria, em voo vertical, em direcção ao topo do mundo.
- E se esse dia fosse hoje? E se esse dia fosse agora? E se amanha tiver menos coragem que hoje? E se amanha me pesarem mais os pés e me cravam as unhas no chão?
Pensou ele.
E ainda não tinha acabado de pensar, quando o seu corpo se pôs de pé e o expulsou num impulso, para o confronto. Era agora! Era hoje que escreveria numa branca folha de papel, pronta a receber na sua “re-volta”, a sua liberdade! Montado, arrancou! Entrou pela porta que tantas vezes lhe cobriu os olhos, subiu todos os degraus num galope, fez-se guerreiro de elmo e espada, e, ao som de um relinchar, cravou-lhe o aço no peito. Beijou-a na testa, e largou-a no chão, morta! Assim quebrou o feitiço que o assombrara por tantos largos momentos. Era outra vez grande. Era outra vez ele. E assim, montado no seu cavalo, num pinote se fez ao seu destino – o topo do mundo.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Há quem tente sempre qualquer coisa…

(um momento pouco sensível…)

Esta semana, e porque tenho estado mais atento à estética citadina, apercebi-me da falta de cuidado na harmonização ambiental.
Como somos vítimas da moda e queremos estar sempre nesta, às vezes, descuidamo-nos com o bom gosto.
Ontem decidimos ir beber um chá. No caminho, reparo em três pessoas que caminham à minha frente. Duas delas com gorros e agasalhadas para o frio e a terceira de mini-saia e “chanata”. Desenquadrado? Fomos a um espaço que tinha, ou pelo menos tentava ter, um conceito “chill out”. Analisando o significado da expressão chegamos à conclusão que se trata de um sitio onde se pode “relaxar”. Ora, aquando da minha entrada, espreita para o topo da minha cabeça cerca de, se não me falham os cálculos, 70 pessoas (que na altura pareciam 3000) num espaço que tinha 30 m2. Nada mau para “relaxar”. Procurámos pelo meio do que parecia uma multidão, um espaço mais “reservado”.

- Olha, há ali uns “Puffs”…
- Sim, bora!
- Consegues passar?
- Espera, dei….. xa-…….me…..só….. Já cá tou! Bem, parece a baixa de Pequim em hora de ponta.
- Chega-te mais para aqui. Ficas melhor.
- Tou só a tentar tirar daqui esta almofada. É que o espaço é tão “chill out” que eu tenho medo de adormecer.


Ao meu lado, uma moça com cerca de 1.70m expõe, na “montra” que se precipita bem por cima das suas calças de cintura descaída, um excesso de carne que, a julgar pela quantidade da oferta, ponho em duvida a qualidade. Ao nosso lado, um casal acabadinho de entrar, “abanca-se” e um minuto depois a rapariga decide tirar o casaquinho. Casaquinho este que tapava a falta de cuidado no escolha da combinação perfeita – um “top” sem costas acompanhado por um “soutien”, preto - para não destoar, bastante proeminente.

- O QUÊ???
- NAOoo…… Para…………..O CHÁ?
- O QUÊ?? NÃO TE OUÇO !!!

A musica estava tão alta que me rachava os tímpanos. Agradável, o espaço “chill out”. E bastante “chill out”…


- PODE, SE FAZ FAVOR, BAIXAR A MÚSICA QUE ESTÁ A TENTAR SER O PÂNICO DOS MEUS OUVIDOS ?
- JÁ VÁRIAS PESSOAS PEDIRAM MAS O PATRÃO…

A decoração – os laranjas e as circunferências coloridas espalham por toda a parte um cansaço visual inacreditável. “Puffs” do tamanho de um banco de cozinha, lado a lado com uns cadeirões GIGANTES suspensos pelo topo. Cadeiras de plástico de um transparente tonal, agrupadas com mesas pouco limpas. Vidros que espelham a própria sujidade e luzes que salpicam cores ao ritmo da ensurdecedora música. E, como não podia faltar, a publicidade é feita com o logótipo luminoso, projectado para os prédios em frente, que se entediam com tanta falta de gosto.
Resumindo: à tamanha falta de gosto do espaço envolvente, restou-me a enormíssima boa companhia e o saboroso chá de vitaminas que, a testemunho do empregado, “sai muito bem”.

Eu sei o que estão a pensar – “Podia ser pior!”. Pois podia! Mas também podia ser melhor!
Onde fica!? Não digo! Pode ser que um dia lá “caiam”.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

“A”TENTADO AO AMOR

É por isso que te chamo paz. És de sensatez. Saltas à corda com a tua ingenuidade, baloiças-te nas gargalhadas espontâneas e corres atrás de um beijo. Cheiras a pele salgada de um dia de praia. Mimas com a paixão de fantasias cobertas de timidez. Aprecio-te de perto e vejo todas as vidas que tens nas vidas dos outros. Que delicia! És de fruta fresca em pequenos-almoços com olhos mal dormidos. Descansas a cabeça no meu peito e pesas as mãos cruzadas no meu pescoço em sinal de abraço. Esta é a tua música – a que soa baixinho, murmurada em arrepios. És uma corrida largada de braços abertos e tropeções de risos. Passeias-te com o encantamento de quem descobre. E sonhas. E hoje és saudade porque a recordação de ontem é o dia amanhã, e é na tua voz que assento o sono. Esta é a tua música.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Um “flash” de lucidez!

Tenho pena que já não te lembres de mim. Na verdade, tenho mais pena por já não me lembrar de ti. E quando me lembro é porque me lembro de já te ter esquecido. E tento não me esquecer, juro! Mas…! Gostava de te guardar nas melhores memórias e não ter de me preocupar com o que tempo lhes faz. Afinal, já não me lembro do teu cheiro, porque me esqueci, e porque as manhãs já não são tuas. Afinal, já não me recordo do teu riso por tanto te ver chorar, ou por querer acreditar que choraste tanto quanto eu. E olhei para ti tantas vezes… Mas não te esqueci mais do que te lembrei, porque a verdade é que te escrevo. Já não nos pertencemos e por isso devolvo-te todos os momentos em que me lembro de nós, talvez para que te lembres e me procures e faças novamente com que não te esqueça.
A verdade é que tento não te lembrar cada vez que não te esqueço.

sexta-feira, setembro 29, 2006

1001 pedaços do Ser

É de fúria que se veste a tranquilidade em que viveu por três bocados de nada. Abriu as mãos despejadas de ganas e deixou o suor tomar-lhe conta do espírito. Em partes de tempo, sentiu a sede ávida da calma e não se desfez. Imitou a raiva e quebrou-se em 1001 pedaços. A intenção era outra. A intenção era estar e não sentir. Era ter e nem esperar. Conquistar. Conquistar. Conquistar. Grita mais grave a estrelada fantasia de não amar. Grita mais forte a dúvida de ser capaz de Ser. Agora tem o nada, brinca aos poucos, chora por muito, desespera por tanto, anseia por restos e vive os vazios. Agora vem de noite, porque a fiel escuridão abranda-lhe a vergonha que lhe cobre o rosto. Mas vem! E fica…

quarta-feira, setembro 27, 2006

Oh "Donna Maria" !!!

É cedo para quem se adormece tarde, e ceio sons desta perfeição da música portuguesa – Donna Maria – Quando o som nos rasga pelos ouvidos e se dispara contra o lado de dentro do coração. É como andar a 160km/h, esboçar a cabeça pela janela e não se conseguir respirar porque o ar nos adentra os pulmões sem pedir licença. Assim se prova que há musica. E que até é portuguesa. Quero encher a cabeça e esvaziar para voltar a encher, porque não me canso de sofrer desta sublimação. É ditoso o gesto musical com que se cose tamanhos tecidos harmónicos. Provocam-se desconcertos e quase se precipita o sal dos olhos. É nestes momentos que se enaltece o tremer dos lábios e se dá valor ao instinto. Quero mais!!!

segunda-feira, setembro 25, 2006

Beija Flor e Alma Gémea

Quero dedicar-te os ramos, as folhas, o tronco e as flores. Quero enlaçar-te nas raízes e podar-te em mim. Alma gémea, estreita-te no meu casco e firma-te, renegando a força do tempo que te quis levar. Que de esperanças vivo eu aqui na formatada saudade de te cheirar. E por mais que me estreiem… e por mais que me queiram, não serei senão a infértil semente apertada na terra de ninguém. Sejas tu a “minha menina, só minha”. Sejas tu a pioneira rainha da luz que me fermenta. Sejas tu a Beija Flor que me visita cada dia e espreita os doces presentes que te consagro. Sejas tu o anuncio breve da primavera que se deita no meu chão e me garante a presença terna da tua água.

À minha distante “Colombina”

sábado, setembro 09, 2006

O desajeitado

É humilde de pé descalço, treme e é inseguro. Falha nos cálculos antecipados e chora porque falha. É tão discreto que não se lembra de alguma vez se ter visto. É magro, mas exímio jogador. Escuta com cuidado, mas não fala e tem memória fraca. Não pertence ao grupo dos vencedores. Quando nasce é condenado à morte e enche-se de vida para que dure enquanto durar. Adormece num piscar de olhos e quando menos espera já não existe. É o informalmente desajeitado Antivírus do Amor.

domingo, setembro 03, 2006

180º

Nem um só “piu”! Quero os rodopios as voltas e pulos. Porque não hei-de ter o direito à desmedida felicidade? Então vá, vem viajar. “- Cabra cega, de onde vens? – Do caminho. (…) “ Up and go! Já sentes?... Isso, agora descreve-me como é. É a luz branca e fria de uma manhã de primavera, não é? É acordares a meio da noite e veres que ainda te sobram 3 horas para dormir, não é? É um chá gelado no miradouro da graça, num quente final de tarde de verão, não é? É o silêncio entupido e o cheiro a frio na tua chegada a casa depois de uma noite de ruído e “strobes” psicadélicos, não é? É o beijo molhado na boca?! É andar descalço nas razias das ondas! É ver ao longe e chegar perto! É vento fresco no suor da testa! É cheiro a banho! É adormecer em mimos! É tropeçar mas não cair! É o filme com o final perfeito! É a música preferida sussurrada ao ouvido! É a mensagem que diz “amo-te”! É o olhar cúmplice no meio da multidão! É o presente certo! É a gargalhada da criança que corre embriagada de cócegas; as fotos do verão passado; a deixa perfeita no “timing” certo; o deslizar macio de uma “bic”; o saco cama fechado na noite fria do acampamento; o casamento do teu melhor amigo; as musicas da tua infância; os reflexos natalícios na calçada da rua Augusta; o grito contido no crescendo da melodia!...

segunda-feira, agosto 21, 2006

Foi quem?

Quem é que um dia te disse que havias de mudar? Quem corrigiu o diário que afogavas de sal e dedos? Tiveste tantas vidas…e foste tão grande que não te cabias em mim. Quem te disse que podias deitar-te em preguiças e esperar, outra vez, nascer?
Sei mais de ti que eles de nós! Até porque pisei as pedras e afinei os atonais cantos que vergonhosamente prometias fazer. E quem te apertou as mãos? E quem te cobriu de desastrosos sinais de afecto?
Não, não são apenas os brandos e escondidos desgostos de amores passados que te fazem memórias. São as vísceras da paixão, prenúncios de benquerença que te marcam o sono.
A quem disseste que amas? Quem é que te amou?

sábado, agosto 19, 2006

E tudo porque hoje choveu!

Não é um dia especial, nem sequer tem especialidade de ser só mais um dia. Na verdade só é diferente porque é pintado de cinzentos que se debatem numa corrida louca para cada um ocupar o lugar do outro por cima da minha cabeça. E até me pesa. Nem foi manhã nem foi tarde nem foi noite. Foi cinza e cinzento e cinzado.
E fecha-se a porta com um jogo de palavras cruzadas cheias de falsas partidas. Mas essa é a cor que me faltava – conversar sem te dizer; perceber sem ouvir; partilhar! Agora o dia, que não é especial, pode ter noite e desafiar-me. Agora posso caminhar de costas e desequilibrar-me por cima do “não está certo” porque é assim a descarada declaração de um amor!

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Hora do chá

Hoje vou fumar pela última vez o meu cachimbo. Estou nesta lentidão que me engole e que transforma o fumo fantasmagórico do meu cachimbo mais espesso. Embalo-me no vai e vem de uma cadeira que faz questão de gritar mais alto que o cantar de um melro. Ainda não choveu e há mais de uma semana que não se vê outra cor no céu que não o cinza escuro. É o assobiar da chaleira que me desperta os sentidos. Já tenho água para o chá. Tenho dois prazeres na vida: saber que o passado já não volta e a certeza de que, enquanto penso isto, já passaram mais quatro segundos. Sinto-me velho e cansado. Não que tenha dores ou que o meu corpo me mostre o peso da vida que tinha. Não. Sinto-me cansado do pouco que fui e do nada que fiz. É verdade que sempre trabalhei e que para muitos dos que conheço seria impensável trabalhar catorze horas por dia numa mina, durante cinquenta e sete anos. Mas é pensar que me cansa. Desde que Matilde morreu que não faço outra coisa. Penso na companheira que tive durante uma vida inteira. Na sua presença constante. No seu jeito enternecedor de dizer meu velho.

Fazes-me falta Matilde. Fazes-me falta porque já não tenho quem me ame. Fazes-me falta porque já não sinto a força de uns braços em volta dos meus. Conta-me uma história. Quero acreditar que amanhã vou ouvir a tua voz desafinada entoar canções de infância. Já não sinto o cheiro das tuas mãos macias. Já não as sinto atravessarem-me o rosto. Também Sonos, o cão, sente a tua falta. Já não corre por entre o canavial tentando fazer justiça à sua raça de caçador. Na verdade também já nem as canas crescem no canavial. Parece que na tua presença se sustentavam todas as formas de vida.

Hoje não fiz a barba. Não fiz a barba porque já não quero cuidar mais de mim. Sim, hoje vou fumar pela última vez o meu cachimbo. Matilde odeia… odiava, que eu fumasse. Dizia que o cachimbo seria o responsável pela minha morte. Não quero chocar ninguém e por isso vou fazê-lo de forma a parecer natural. Não é fumar que vou fazer de forma natural, é ir ter com Matilde. Não gosto de pensar que é suicídio porque não quero parecer cobarde. Prefiro pensar que apenas vou ter com Matilde. E não é a cobardia que me vai fazer desistir da vida. É a saudade. É não suportar nem mais um dia sem ver a minha querida Matilde. Quero fazer parecer que foi de forma natural. Despertei os sentidos com o assobiar da chaleira porque é o apito desta que anuncia o momento da partida. Vou beber “o chá”. Vou beber e adormecer, e acordar nos gestos de Matilde. Sonos pressente a despedida e prova-o com o olhar triste que me lança. Já me despedi da casa onde fomos felizes. Agora quero uma nova morada, aquela em que mora Matilde. Pego no copo com cuidado com o medo de me queimar. É ridículo. Tenho medo da dor que me pode provocar a temperatura, no instante que antecipa a morte. Inicio o ritual. Não o faço de forma demorada porque a ansiedade não o permite. Daqui a poucos minutos vou poder abraçá-la e ouvi-la dizer que sou seu velho. Disfarcei o sabor com hortelã porque, a julgar pelo cheiro, o sabor deve ser intenso. A cada gole que dou sorvo mais uma parte da vida e avanço mais uns metros para a felicidade. Não receio a dor do veneno, receio a vida e a sua solidão. Sinto-me cansado, e não é de pensar porque já quase não penso…sinto-me pesadamente leve…sinto-me………sinto-me ………. Sinto-a

sábado, janeiro 21, 2006

Palavras Fáceis


Falo-te com palavras fáceis enquanto combato as difíceis. Digo-te – entrega – enquanto me estrangula fidelidade. Ouves-me dizer esperança, enquanto me finta a certeza. Conforto-te com a ilusão enquanto me engana a magia. Suspiro-te a fraqueza, enquanto me humilha a cobardia. Entoo-te a harmonia enquanto me desafia a inquietação. Murmuro-te – pouco – enquanto me pesa o imenso. Segredo-te a clareza enquanto me esmurra a loucura. Sussurro paixão enquanto me afogo no amor.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Experimento o escuro.

Ando dormente por entres caminhos labirínticos cheios de curvas e rectas, de sabores e formas. São as múltiplas sensações que me ressuscitam dos dias em que dormi embalado em desculpas em que queria, enganado por mim, acreditar.
Hoje é, de todos, o dia em que me dói mais o escuro. Preciso da incandescência do toque! Se me perguntas porque quero e não te respondo, é porque me perco na corrente turbilhante e me afogo em todos os lagos por onde passo. E porque nem sei se conheço essa pergunta. Posso acreditar nas paixões e não defender o amor? Posso querer tudo e ter apenas demais? Livro-me da luz porque me farto sempre da claridade e vivo aqui, no escuro. Aguento mais e mais e expludo com mil olhares e com o ricochete que me faz sentir tonto e não me esclarece a sensação. Troca comigo. Dá-me a mão enquanto te dou o peito. Quero saber porque és isso.
Sou sensível à saudade e não à presença. Sou apaixonado pela irrealidade. Encanto-me com o que não me mostras e desdenho o que me dizes. Vou saltar e ver se me agarras e fazer de mim mais um momento. Quero ser só momentos! Não quero pertencer ao passado, não acreditar no futuro. Quero chamar-me “Agora” e fazer do meu nome a vida. Vou lá fora – onde se abrilhantam as tardes e se dá causa aos gestos. Vou aprender o namoro dos outros e subir na escada que eu construir.
Anda. Leva-me de mão na mão e corre e puxa-me e rodopia-me e enche-te de abraços meus.
Chama-me “Agora” enquanto me segredas “Esta Noite” e me fazes acreditar que sou o “Amanhã”.

sábado, novembro 26, 2005

A meio

É à solidão que sugo a saudade.
É nesta forma estranha de estar –
Impaciente, sem saber se ficar é ou não o elixir
Da nossa paixão – que te sinto cada vez mais longe mas cada vez mais dentro.
É à preguiça dos dias e ao ruído dos ponteiros
Que, prostrado, me despeço do abismo e me lanço num voo picado na direcção
Do nada.
És de areia, da mais fina que há. Passas-me por entre os dedos e deitas-te ali,
Bem no fundo do fundo, de onde não me olhas e não me sentes.
Lança-me então as tuas vidas e deixa que nelas encontre o norte e o sul.
Sobe, vem para cima. Põe-te à altura dos olhos e à distância do beijo,
Porque assim se perpetua o desejo de te querer ter mais dentro e cada vez mais junto.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Carta a um anónimo

Anónimo, escrevo-te esta carta porque te quero dizer o que nunca te disse por nunca ter sido capaz de o fazer.
Sei que não me conheces bem porque são poucas as vezes que falamos. Sei que é difícil para ti aproximares-te, porque não tens coragem para o fazer, e porque nunca fizeram isso contigo. Mas, para dizer a verdade, eu acho que prefiro assim. Prefiro saber que estás perto mas que te manténs distante. Não é por achar que és má pessoa, é por achar que prefiro não conhecer bem a pessoa que és. Conheço pessoas que te conhecem bem e que ao longo do tempo me foram contando historias tuas. Lembro-me de te ver em situações difíceis e da dificuldade que tinhas para lidar com elas. Lembraste daquele dia em que me disseste que não era fácil ser anónimo porque nunca te tinham ensinado a sê-lo? Eu acredito que não seja fácil, mas há coisas que se aprendem sozinho! Preferias não ter de passar por isso. Não é? É desconfortável sentirmo-nos sozinhos e não ter ninguém que nos possa dizer que gosta de nós. E tu? Já experimentaste dizer a alguém que também consegues amar? Não, não precisas de o dizer, basta mostrar. Como? Nos abraços (que não dás), no beijo ( que nunca pediste), nos olhares ( que evitas de fazer)! Em todas estas formas podias mostrar que amas e que gostavas que te amassem.
Às vezes pareces ser de ferro! Não me incomoda saber que podes não gostar de mim, o que me incomoda é pensar que possas fazer por não gostar. Já reparei que és perfeccionista nas coisas práticas da vida. E no amor? Porque é que não tentas ser perfeccionista no amor?
Anónimo, não penses nunca que te quero cobrar atenção. Não, isso não se cobra. Ou se recebe ou não se recebe. Mas tu sempre tiveste a possibilidade de dar, ou não dar, e sempre preferiste não dar. Não te amo porque não te conheço e tu não me conheces porque nunca me quiseste amar!
Pensa que as pessoas não vão estar ao teu lado a vida inteira. Aproveita o tempo que tens, ainda que penses que este te sobra.



Ps- Desculpa se esta minha sinceridade te magoa e se te desilude chamar-te anónimo em vez de te chamar pai, mas, tal como tu, digo o que sinto e chamo-te pelo nome que, para mim, és - Anónimo!

terça-feira, novembro 15, 2005

Proud Mirror


Disseste que conhecias o que querias conhecer, sem conheceres o desconhecido em mim.
Eu mostrei-te, sem te mostrar, aquilo que mostro quando me mostro a ti.
Aceitaste o que viste e nem viste bem o que vias.
Eu senti, sem sentido, que sentias o que eu sentia.
E os dois, por não mostrarmos o que cada um sentia, ficámos sem conhecer o
que, entre nós, toda a gente via.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Hoje falei com Deus ao telefone

02h34m. O som irritante e repetitivo do telefone faz-se ouvir. Tropeço com a mão pelos livros, que não leio, à procura do aparelho que me interrompe o sono a tal hora. A visão nublada pelo sono não me deixa perceber no visor quem é o autor deste telefonema.
- Tou!
- Tavas a dormir?
- Sim…mas quem fala?
- Não sabes quem é?
- Não! É suposto saber ?
- Podias-te esforçar.
- E tu podias dizer quem és!
- Não tou a perceber a antipatia.
- Não é antipatia é sono.
- Eu não vou demorar..
- Mas quem é que fala ?
- Eu não vou demorar!
- Vou desligar e vou dormir! Posso ?
- Isso não é mesmo só sono!
- Boa noite!
- Espera.
- Sim…
- Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
- O quê??? Desculpa lá mas não tou com paciência para charadas a esta hora da noite!
- Não é uma charada. É uma missão.
- O quê?
- Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
- Bem, desculpa lá mas vou mesmo desligar!
- Espera. Percebeste o que te disse?
- Sim percebi - primeiro tenho de perceber a charada, depois vou ao armário, tiro o fato de agente secreto, ponho os óculos escuros, mudo o meu nome para um número e depois saio com o objectivo de cumprir uma missão. Boa noite!
- Faz como quiseres. Se achares que deves…
- Sim, tá bem. Boa noite!
- É para teu be… (desliguei o telefone)

09h45m. Sons berrantes outras vez. Mas desta vez é o despertador a fazer questão de me tirar da cama. Vamos lá então para mais uma manhã e depois para mais uma tarde e depois para mais uma noite. Há que pensar no dia por partes. Desta forma não custa tanto. Mas já está a custar - lembrei-me do telefonema. Não gosto de piadas fora de horas. Tenho mais um stress no trânsito e não me apetecia nada tê-lo. Não gosto de competir por um espaço de alcatrão. Sinto-me estranho, para além de irritado. Os ponteiros esmagam os momentos bons. Fecho os olhos enquanto desespero numa fila de automóveis e quase consigo ouvir o borbulhar do sangue a galopar pelas veias. Que stress. Que desequilíbrio! “Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Mas que frase é esta? Quem é que se propõe a fazer adivinhas, em tom sério, a desoras?
Vou ligar à Catarina. Preciso de exorcizar. Não sinto calma! Queria sair daqui. Não daqui – de onde estou, daqui – deste corpo desequilibrado que não me tem permitido a paz. “ Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Outra vez! Tenho de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
Passo o dia assim – desesperadamente desesperado. Os segundos passam seguidos de minutos de mãos dadas com as horas. Já se vê no céu Júpiter a enamorar a Lua. Alimento-me porque não tenho fome para comer. Relaxo na terapia literária. Fernando Pessoa é o mote para alguma inspiração, ou tentativa desta, e começo a escrever. Enquanto tento encontrar a palavra ideal ou a frase perfeita, lembro-me, ou melhor - não me esqueço, da frase que ecoa constantemente nas paredes da minha cabeça – “Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Vou cravá-la na folha e ver se desaparece. Que desconforto. Sinto familiaridade com as palavras que, enquanto escrevo, leio. De repente a luz que se faz na minha cabeça é mais clara que o branco da folha que se prostra na minha frente. É aí que chego à conclusão que não era uma charada - era um aviso. Não era o Pedro - era alguém. Não foi para me tirar o sono - foi para me «acordar». Agora descodifíco a ausência da calma, o ferver na irritação, o mergulhar no stress. Tenho de procurar o meu centro e ficar na minha harmonia para conseguir viver meu o presente.

sábado, novembro 12, 2005

Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflicta em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.

E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.



«Oswaldo Montenegro»

quarta-feira, novembro 09, 2005

Na paz dos sexos


Este blog visa desenganar todos aqueles que defendem a teoria que afirma que os homens são de Marte e as mulheres são de Vénus.
Desenganar e da forma mais simples, ou não fosse esta uma grandessíssima desculpa para os maus amantes justificarem a falta de jeito para permanecer nas relações por mais de três meses. Sou mais adepto da expressão: as mulheres trazem os pés na terra e os homens a cabeça na lua. E desculpem-me as senhoras que se sentiram ofendidas por não as ter julgado capazes das suas extraordinárias capacidades extraterrestres – que de facto são! Mas este blog destina-se a apontar defeitos e não qualidades.
Temos sempre provérbios e citações que podemos usar nas situações mais complicadas de forma a escaparmos de fininho com o rabo à seringa. Imaginem quando elas vos dizem : “ Mais um bocadinho e comia-la com os olhos” – podem sempre dizer: “ a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha”. O que, nesta situação, não vos livraria de levar com a seringa das farturas. Ou imaginem quando eles lhes dizem: “ Só há isto para comer?” – e elas respondem: “ grão a grão enche a galinha o papo” (com certeza ela não se estava a referir à galinha da vizinha). Julgamo-nos sempre desajustados das situações e nas relações – ou não fossem eles de Marte e elas de Vénus. Mas afinal quando é que percebemos que elas é que mandam em Marte e que eles só são felizes em Vénus?
Vamos fazer aqui um pequeno exercício mental. Os opostos atraem-se ou não? Os semelhantes repelem-se? Esperem lá! Se os opostos se atraem, os homens não se deveriam sentir profundamente atraídos pelas mulheres, e vice-versa, e manterem-se juntos intemporalmente? E se os semelhantes se repelem não deveríamos ter especial atenção para um provável instinto assassino nos irmãos gémeos?
Pois é, chega a hora em que nos apercebemos que não há teorias que nos defendam para o facto de não estarmos atentos ao amor. Nem sempre o que luz é ouro e nem sempre o que brilha é prata (gostei deste pequeno apontamento). O que quer dizer que não vale a pena andarmos a adiar a felicidade por julgarmos que já está tudo visto. Deixemo-nos de teorias escritas por génios em “marketing” e que têm como único objectivo lançar mais um “best seller”. Não façamos complexas equações no que diz respeito às relações porque só há uma fórmula para a felicidade – somar-lhe sempre o que é bom e subtrair-lhe tudo o que é mau.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Pedrada no charco


Como atento que sou às novas tecnologias e às suas capacidades de nos manterem em contacto permanente com o mundo, venho constatar um facto que me tem tirado o sono (esta ultima parte não é verdade, até porque consigo dormir em qualquer sitio a qualquer hora. É so querer!). Gostava de partilhar convosco esta facilidade que temos desenvolvido de nos mostrarmos sem que tenhamos de nos expor. É confuso? Então passo a explicar: imaginem então uma daquelas noites que foram até ao Bairro e que, pelo meio de três mil olhares, seiscentos perfumes que se arrastam à passagem e mais uns tantos encontrões provocados pelas tonturas alcoólicas, descobrem uma pessoa com quem não se importavam mesmo nada de passar o resto da noite. Como é que fazem??? Pois é- nem sempre têm coragem de “meter conversa”. Mas afinal para que é que precisamos de coragem se temos as novas tecnologias? É neste momento que nos deliciamos por termos uns papás que adoram os filhos e que nos pagam uma mensalidade, às vezes a custo, para que possamos ter um “pc” com ligação à Internet ( para os mais evoluídos- um portátil, de preferência um Mac G4, com wireless).
Na tarde do dia seguinte, depois de se ter dormido mais de catorze horas devido ao cansaço ( sim, segurar um copo que varia de peso entre os 0,2 kg e os 0,5 kg durante horas, também cansa ), olhamo-nos ao espelho com medo do que se vai encontrar e logo nesse instante, sem sequer nos preocuparmos com a aparência, despertamo-nos com a lembrança, ainda que meio nublada, daqueles olhares que estivemos a trocar na noite passada com alguém que achámos interessante, apesar de não saber sequer o seu nome. Mas para que é que precisamos do nome? Afinal de contas temos Internet! Agora já so precisamos de nos lembrar de alguns rostos de quem a pessoa mistério se fazia acompanhar e em seguida correr para o computador. Depois de alguns fotos pesquisadas, de caras conhecidas, e de nomes familiares, descobrimos que afinal “aquela pessoa” pessoa tem nome, que gosta de praia, que também leu o “Código de Da Vinci”, que também gosta de reggae. Agora que já sabemos o seu nome e o estilo de vida, só precisamos de lhe deixar uma mensagem e esperar pela resposta. “MENSAGEM ENVIADA”. Agora é tarde para poder corrigir a palavra que afinal era com c e nao com s, ou até mesmo para reinventar a piada de forma a ficar mais interessante. Bem, resta esperar…
Segundo capitulo. Já temos resposta e podemos deixar mais uma piada e de preferência o número de telefone - como forma de convite a um novo contacto com menos “delay”.
O telefone, que o pai recebeu através dos pontos da empresa e ofereceu ao filhinho, toca. É o toque de mensagem. Pode ser que tenhamos sorte. E não é que ter deixado o número de telefone na mensagem da Internet funcionou mesmo?! Agora já só temos de puxar pela imaginação!
Que pessoa interessante! Tem uma voz linda, escreve bem, não fuma, bebe -mas só às vezes porque nem sempre arranja boleia, quer ter filhos, vai à missa e gosta de passear ao pé do rio. É espectacular. Ri-se das nossas piadas, responde sempre as nossas mensagens, e à noite, quando fala ao telefone, diz coisas queridas e sabe sempre dizê-lo de forma a que não nos esqueçamos daquele momento.
Já passou algum tempo desde que nos conhecemos mas ainda não estivemos juntos. Já foram feitas várias tentativas para que isso acontecesse mas o “timing” ainda não foi perfeito. Bem, o que interessa é que conhecemos a sua forma de rir, ou pelo menos o som do riso; a maneira como nos toca, ou melhor- a forma como diz que gostava de nos tocar; o cheiro que tem, quer dizer - o perfume que disse que usava; a forma como nos olha, bem, a forma como diz que se sente observada sem ter a nossa presença; e até mesmo os segredos que já nos revelou ao ouvido- através do telemóvel, eu sei, mas o telefone estava no ouvido. Que intimidade… que cumplicidade…
Mas de repente lembramo-nos que estivemos a revelar coisas que eram só nossas. Que dissemos quantos filhos queremos ter e de que forma os queremos educar.
Não sabemos como é que olha para nós quando a olhamos. Não sabemos como é que reage se, durante uma piada, lhe tocamos no braço. Não sabemos se a sua pele é suave. Não sabemos se quando abraça aperta. Não sabemos se quando chora fica com o nariz encarnado. Não sabemos porque razão não sabemos nada dela e achamos que sabemos tudo. Sabemos nada porque quisemos conhecer tudo sem ter a presença de alguma coisa. Mas foi tão fácil conhecê-la… Não, não foi conhecê-la, foi saber quem ela é!
Sabemos muito sem conhecer nada! E depois, quando estamos fisicamente com essa pessoa, percebemos que não beija como gostamos, que o “212 Carolina Herrera” fica com um odor diferente na pele dela, que quando abraça não aperta, que quando a olhamos nos olhos ela desvia o olhar, que não gosta de passear de mão dada, que depois de fazer amor não suporta a nudez e que não tem muito jeito para lidar com o silêncio.
E afinal para que queremos as novas tecnologias? Para nos fazer feliz? Para nos saborearmos com o sabor das coisas sem que elas nos alimentem? Para nos darmos intimamente sem que tenhamos de nos expor?
O amor é primitivo. Semeia-se de forma natural e cultiva-se com os sentidos!

Se esqueço que me calo e que ouço tanto silêncio, adormeço nessa fala que me diz mais do que lhe peço. Padeço dessa língua a que os Deuses deram vida e agora me enfeitiça num canto breve de harmoniosos silêncios e audazes transparências.
É de fome o espaço que se estende entre os dois.
E aos breves momentos de fala se substitui a vontade, que nos envergonha, e sem que uma ordem nos peça, se serpenteia e nos prova que ali se nasce. Deixa-te ficar. Fica por perto ainda que seja por mais um silêncio. Mas que seja esse, na ausência do que lhe peço, aquele que mais me conforta e no qual com saudosos sons te adormeço.

Origem dos contrários


Hoje comparei-te com o tempo. Vi que tinham semelhanças, tu e ele. O tempo vem vestido de eternidade e com promessas de ficar. Depois fica e em seguida vai. E como ele, tu apareces adornada dos mesmos trajes e com as mesmas juras. E chegas. E nesse segundo, tal como faz o tempo, chegas, ficas e vais. E quando vais, voltas. E os dois, geminados um do outro, aparecem, estão e partem.
E agora que ambos estavam - foram, e sem avisar voltaram.
Faço então do tempo meu aliado e de ti a minha casa. A ele roubo as horas e transformo-o em espaço e nada. A ti – petrifico-te na memória, embebedo-me num cheiro e sacio-me nesse aroma, para que quando chegares – seres, quando estiveres - ficares, e quando fores - não partires.