segunda-feira, novembro 07, 2005

Pedrada no charco


Como atento que sou às novas tecnologias e às suas capacidades de nos manterem em contacto permanente com o mundo, venho constatar um facto que me tem tirado o sono (esta ultima parte não é verdade, até porque consigo dormir em qualquer sitio a qualquer hora. É so querer!). Gostava de partilhar convosco esta facilidade que temos desenvolvido de nos mostrarmos sem que tenhamos de nos expor. É confuso? Então passo a explicar: imaginem então uma daquelas noites que foram até ao Bairro e que, pelo meio de três mil olhares, seiscentos perfumes que se arrastam à passagem e mais uns tantos encontrões provocados pelas tonturas alcoólicas, descobrem uma pessoa com quem não se importavam mesmo nada de passar o resto da noite. Como é que fazem??? Pois é- nem sempre têm coragem de “meter conversa”. Mas afinal para que é que precisamos de coragem se temos as novas tecnologias? É neste momento que nos deliciamos por termos uns papás que adoram os filhos e que nos pagam uma mensalidade, às vezes a custo, para que possamos ter um “pc” com ligação à Internet ( para os mais evoluídos- um portátil, de preferência um Mac G4, com wireless).
Na tarde do dia seguinte, depois de se ter dormido mais de catorze horas devido ao cansaço ( sim, segurar um copo que varia de peso entre os 0,2 kg e os 0,5 kg durante horas, também cansa ), olhamo-nos ao espelho com medo do que se vai encontrar e logo nesse instante, sem sequer nos preocuparmos com a aparência, despertamo-nos com a lembrança, ainda que meio nublada, daqueles olhares que estivemos a trocar na noite passada com alguém que achámos interessante, apesar de não saber sequer o seu nome. Mas para que é que precisamos do nome? Afinal de contas temos Internet! Agora já so precisamos de nos lembrar de alguns rostos de quem a pessoa mistério se fazia acompanhar e em seguida correr para o computador. Depois de alguns fotos pesquisadas, de caras conhecidas, e de nomes familiares, descobrimos que afinal “aquela pessoa” pessoa tem nome, que gosta de praia, que também leu o “Código de Da Vinci”, que também gosta de reggae. Agora que já sabemos o seu nome e o estilo de vida, só precisamos de lhe deixar uma mensagem e esperar pela resposta. “MENSAGEM ENVIADA”. Agora é tarde para poder corrigir a palavra que afinal era com c e nao com s, ou até mesmo para reinventar a piada de forma a ficar mais interessante. Bem, resta esperar…
Segundo capitulo. Já temos resposta e podemos deixar mais uma piada e de preferência o número de telefone - como forma de convite a um novo contacto com menos “delay”.
O telefone, que o pai recebeu através dos pontos da empresa e ofereceu ao filhinho, toca. É o toque de mensagem. Pode ser que tenhamos sorte. E não é que ter deixado o número de telefone na mensagem da Internet funcionou mesmo?! Agora já só temos de puxar pela imaginação!
Que pessoa interessante! Tem uma voz linda, escreve bem, não fuma, bebe -mas só às vezes porque nem sempre arranja boleia, quer ter filhos, vai à missa e gosta de passear ao pé do rio. É espectacular. Ri-se das nossas piadas, responde sempre as nossas mensagens, e à noite, quando fala ao telefone, diz coisas queridas e sabe sempre dizê-lo de forma a que não nos esqueçamos daquele momento.
Já passou algum tempo desde que nos conhecemos mas ainda não estivemos juntos. Já foram feitas várias tentativas para que isso acontecesse mas o “timing” ainda não foi perfeito. Bem, o que interessa é que conhecemos a sua forma de rir, ou pelo menos o som do riso; a maneira como nos toca, ou melhor- a forma como diz que gostava de nos tocar; o cheiro que tem, quer dizer - o perfume que disse que usava; a forma como nos olha, bem, a forma como diz que se sente observada sem ter a nossa presença; e até mesmo os segredos que já nos revelou ao ouvido- através do telemóvel, eu sei, mas o telefone estava no ouvido. Que intimidade… que cumplicidade…
Mas de repente lembramo-nos que estivemos a revelar coisas que eram só nossas. Que dissemos quantos filhos queremos ter e de que forma os queremos educar.
Não sabemos como é que olha para nós quando a olhamos. Não sabemos como é que reage se, durante uma piada, lhe tocamos no braço. Não sabemos se a sua pele é suave. Não sabemos se quando abraça aperta. Não sabemos se quando chora fica com o nariz encarnado. Não sabemos porque razão não sabemos nada dela e achamos que sabemos tudo. Sabemos nada porque quisemos conhecer tudo sem ter a presença de alguma coisa. Mas foi tão fácil conhecê-la… Não, não foi conhecê-la, foi saber quem ela é!
Sabemos muito sem conhecer nada! E depois, quando estamos fisicamente com essa pessoa, percebemos que não beija como gostamos, que o “212 Carolina Herrera” fica com um odor diferente na pele dela, que quando abraça não aperta, que quando a olhamos nos olhos ela desvia o olhar, que não gosta de passear de mão dada, que depois de fazer amor não suporta a nudez e que não tem muito jeito para lidar com o silêncio.
E afinal para que queremos as novas tecnologias? Para nos fazer feliz? Para nos saborearmos com o sabor das coisas sem que elas nos alimentem? Para nos darmos intimamente sem que tenhamos de nos expor?
O amor é primitivo. Semeia-se de forma natural e cultiva-se com os sentidos!

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