segunda-feira, novembro 14, 2005

Hoje falei com Deus ao telefone

02h34m. O som irritante e repetitivo do telefone faz-se ouvir. Tropeço com a mão pelos livros, que não leio, à procura do aparelho que me interrompe o sono a tal hora. A visão nublada pelo sono não me deixa perceber no visor quem é o autor deste telefonema.
- Tou!
- Tavas a dormir?
- Sim…mas quem fala?
- Não sabes quem é?
- Não! É suposto saber ?
- Podias-te esforçar.
- E tu podias dizer quem és!
- Não tou a perceber a antipatia.
- Não é antipatia é sono.
- Eu não vou demorar..
- Mas quem é que fala ?
- Eu não vou demorar!
- Vou desligar e vou dormir! Posso ?
- Isso não é mesmo só sono!
- Boa noite!
- Espera.
- Sim…
- Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
- O quê??? Desculpa lá mas não tou com paciência para charadas a esta hora da noite!
- Não é uma charada. É uma missão.
- O quê?
- Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
- Bem, desculpa lá mas vou mesmo desligar!
- Espera. Percebeste o que te disse?
- Sim percebi - primeiro tenho de perceber a charada, depois vou ao armário, tiro o fato de agente secreto, ponho os óculos escuros, mudo o meu nome para um número e depois saio com o objectivo de cumprir uma missão. Boa noite!
- Faz como quiseres. Se achares que deves…
- Sim, tá bem. Boa noite!
- É para teu be… (desliguei o telefone)

09h45m. Sons berrantes outras vez. Mas desta vez é o despertador a fazer questão de me tirar da cama. Vamos lá então para mais uma manhã e depois para mais uma tarde e depois para mais uma noite. Há que pensar no dia por partes. Desta forma não custa tanto. Mas já está a custar - lembrei-me do telefonema. Não gosto de piadas fora de horas. Tenho mais um stress no trânsito e não me apetecia nada tê-lo. Não gosto de competir por um espaço de alcatrão. Sinto-me estranho, para além de irritado. Os ponteiros esmagam os momentos bons. Fecho os olhos enquanto desespero numa fila de automóveis e quase consigo ouvir o borbulhar do sangue a galopar pelas veias. Que stress. Que desequilíbrio! “Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Mas que frase é esta? Quem é que se propõe a fazer adivinhas, em tom sério, a desoras?
Vou ligar à Catarina. Preciso de exorcizar. Não sinto calma! Queria sair daqui. Não daqui – de onde estou, daqui – deste corpo desequilibrado que não me tem permitido a paz. “ Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Outra vez! Tenho de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
Passo o dia assim – desesperadamente desesperado. Os segundos passam seguidos de minutos de mãos dadas com as horas. Já se vê no céu Júpiter a enamorar a Lua. Alimento-me porque não tenho fome para comer. Relaxo na terapia literária. Fernando Pessoa é o mote para alguma inspiração, ou tentativa desta, e começo a escrever. Enquanto tento encontrar a palavra ideal ou a frase perfeita, lembro-me, ou melhor - não me esqueço, da frase que ecoa constantemente nas paredes da minha cabeça – “Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Vou cravá-la na folha e ver se desaparece. Que desconforto. Sinto familiaridade com as palavras que, enquanto escrevo, leio. De repente a luz que se faz na minha cabeça é mais clara que o branco da folha que se prostra na minha frente. É aí que chego à conclusão que não era uma charada - era um aviso. Não era o Pedro - era alguém. Não foi para me tirar o sono - foi para me «acordar». Agora descodifíco a ausência da calma, o ferver na irritação, o mergulhar no stress. Tenho de procurar o meu centro e ficar na minha harmonia para conseguir viver meu o presente.

3 comentários:

Anónimo disse...

uau...
muito forte...
brutal...

o universo está do teu lado...... cease it =)

desprende-te e VOA VOA VOA.....

Anónimo disse...

Sensacional...

Anónimo disse...

Ilugio a tua forma de escrever,adorei!
Fez-me voar e pensar que... mesmo carregando o mundo às costas vale a pena viver!