sábado, novembro 26, 2005

A meio

É à solidão que sugo a saudade.
É nesta forma estranha de estar –
Impaciente, sem saber se ficar é ou não o elixir
Da nossa paixão – que te sinto cada vez mais longe mas cada vez mais dentro.
É à preguiça dos dias e ao ruído dos ponteiros
Que, prostrado, me despeço do abismo e me lanço num voo picado na direcção
Do nada.
És de areia, da mais fina que há. Passas-me por entre os dedos e deitas-te ali,
Bem no fundo do fundo, de onde não me olhas e não me sentes.
Lança-me então as tuas vidas e deixa que nelas encontre o norte e o sul.
Sobe, vem para cima. Põe-te à altura dos olhos e à distância do beijo,
Porque assim se perpetua o desejo de te querer ter mais dentro e cada vez mais junto.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Carta a um anónimo

Anónimo, escrevo-te esta carta porque te quero dizer o que nunca te disse por nunca ter sido capaz de o fazer.
Sei que não me conheces bem porque são poucas as vezes que falamos. Sei que é difícil para ti aproximares-te, porque não tens coragem para o fazer, e porque nunca fizeram isso contigo. Mas, para dizer a verdade, eu acho que prefiro assim. Prefiro saber que estás perto mas que te manténs distante. Não é por achar que és má pessoa, é por achar que prefiro não conhecer bem a pessoa que és. Conheço pessoas que te conhecem bem e que ao longo do tempo me foram contando historias tuas. Lembro-me de te ver em situações difíceis e da dificuldade que tinhas para lidar com elas. Lembraste daquele dia em que me disseste que não era fácil ser anónimo porque nunca te tinham ensinado a sê-lo? Eu acredito que não seja fácil, mas há coisas que se aprendem sozinho! Preferias não ter de passar por isso. Não é? É desconfortável sentirmo-nos sozinhos e não ter ninguém que nos possa dizer que gosta de nós. E tu? Já experimentaste dizer a alguém que também consegues amar? Não, não precisas de o dizer, basta mostrar. Como? Nos abraços (que não dás), no beijo ( que nunca pediste), nos olhares ( que evitas de fazer)! Em todas estas formas podias mostrar que amas e que gostavas que te amassem.
Às vezes pareces ser de ferro! Não me incomoda saber que podes não gostar de mim, o que me incomoda é pensar que possas fazer por não gostar. Já reparei que és perfeccionista nas coisas práticas da vida. E no amor? Porque é que não tentas ser perfeccionista no amor?
Anónimo, não penses nunca que te quero cobrar atenção. Não, isso não se cobra. Ou se recebe ou não se recebe. Mas tu sempre tiveste a possibilidade de dar, ou não dar, e sempre preferiste não dar. Não te amo porque não te conheço e tu não me conheces porque nunca me quiseste amar!
Pensa que as pessoas não vão estar ao teu lado a vida inteira. Aproveita o tempo que tens, ainda que penses que este te sobra.



Ps- Desculpa se esta minha sinceridade te magoa e se te desilude chamar-te anónimo em vez de te chamar pai, mas, tal como tu, digo o que sinto e chamo-te pelo nome que, para mim, és - Anónimo!

terça-feira, novembro 15, 2005

Proud Mirror


Disseste que conhecias o que querias conhecer, sem conheceres o desconhecido em mim.
Eu mostrei-te, sem te mostrar, aquilo que mostro quando me mostro a ti.
Aceitaste o que viste e nem viste bem o que vias.
Eu senti, sem sentido, que sentias o que eu sentia.
E os dois, por não mostrarmos o que cada um sentia, ficámos sem conhecer o
que, entre nós, toda a gente via.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Hoje falei com Deus ao telefone

02h34m. O som irritante e repetitivo do telefone faz-se ouvir. Tropeço com a mão pelos livros, que não leio, à procura do aparelho que me interrompe o sono a tal hora. A visão nublada pelo sono não me deixa perceber no visor quem é o autor deste telefonema.
- Tou!
- Tavas a dormir?
- Sim…mas quem fala?
- Não sabes quem é?
- Não! É suposto saber ?
- Podias-te esforçar.
- E tu podias dizer quem és!
- Não tou a perceber a antipatia.
- Não é antipatia é sono.
- Eu não vou demorar..
- Mas quem é que fala ?
- Eu não vou demorar!
- Vou desligar e vou dormir! Posso ?
- Isso não é mesmo só sono!
- Boa noite!
- Espera.
- Sim…
- Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
- O quê??? Desculpa lá mas não tou com paciência para charadas a esta hora da noite!
- Não é uma charada. É uma missão.
- O quê?
- Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
- Bem, desculpa lá mas vou mesmo desligar!
- Espera. Percebeste o que te disse?
- Sim percebi - primeiro tenho de perceber a charada, depois vou ao armário, tiro o fato de agente secreto, ponho os óculos escuros, mudo o meu nome para um número e depois saio com o objectivo de cumprir uma missão. Boa noite!
- Faz como quiseres. Se achares que deves…
- Sim, tá bem. Boa noite!
- É para teu be… (desliguei o telefone)

09h45m. Sons berrantes outras vez. Mas desta vez é o despertador a fazer questão de me tirar da cama. Vamos lá então para mais uma manhã e depois para mais uma tarde e depois para mais uma noite. Há que pensar no dia por partes. Desta forma não custa tanto. Mas já está a custar - lembrei-me do telefonema. Não gosto de piadas fora de horas. Tenho mais um stress no trânsito e não me apetecia nada tê-lo. Não gosto de competir por um espaço de alcatrão. Sinto-me estranho, para além de irritado. Os ponteiros esmagam os momentos bons. Fecho os olhos enquanto desespero numa fila de automóveis e quase consigo ouvir o borbulhar do sangue a galopar pelas veias. Que stress. Que desequilíbrio! “Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Mas que frase é esta? Quem é que se propõe a fazer adivinhas, em tom sério, a desoras?
Vou ligar à Catarina. Preciso de exorcizar. Não sinto calma! Queria sair daqui. Não daqui – de onde estou, daqui – deste corpo desequilibrado que não me tem permitido a paz. “ Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Outra vez! Tenho de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.
Passo o dia assim – desesperadamente desesperado. Os segundos passam seguidos de minutos de mãos dadas com as horas. Já se vê no céu Júpiter a enamorar a Lua. Alimento-me porque não tenho fome para comer. Relaxo na terapia literária. Fernando Pessoa é o mote para alguma inspiração, ou tentativa desta, e começo a escrever. Enquanto tento encontrar a palavra ideal ou a frase perfeita, lembro-me, ou melhor - não me esqueço, da frase que ecoa constantemente nas paredes da minha cabeça – “Tens de ir ao centro, encontrar a Harmonia e entregar-lhe o presente.” Vou cravá-la na folha e ver se desaparece. Que desconforto. Sinto familiaridade com as palavras que, enquanto escrevo, leio. De repente a luz que se faz na minha cabeça é mais clara que o branco da folha que se prostra na minha frente. É aí que chego à conclusão que não era uma charada - era um aviso. Não era o Pedro - era alguém. Não foi para me tirar o sono - foi para me «acordar». Agora descodifíco a ausência da calma, o ferver na irritação, o mergulhar no stress. Tenho de procurar o meu centro e ficar na minha harmonia para conseguir viver meu o presente.

sábado, novembro 12, 2005

Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflicta em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.

E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.



«Oswaldo Montenegro»

quarta-feira, novembro 09, 2005

Na paz dos sexos


Este blog visa desenganar todos aqueles que defendem a teoria que afirma que os homens são de Marte e as mulheres são de Vénus.
Desenganar e da forma mais simples, ou não fosse esta uma grandessíssima desculpa para os maus amantes justificarem a falta de jeito para permanecer nas relações por mais de três meses. Sou mais adepto da expressão: as mulheres trazem os pés na terra e os homens a cabeça na lua. E desculpem-me as senhoras que se sentiram ofendidas por não as ter julgado capazes das suas extraordinárias capacidades extraterrestres – que de facto são! Mas este blog destina-se a apontar defeitos e não qualidades.
Temos sempre provérbios e citações que podemos usar nas situações mais complicadas de forma a escaparmos de fininho com o rabo à seringa. Imaginem quando elas vos dizem : “ Mais um bocadinho e comia-la com os olhos” – podem sempre dizer: “ a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha”. O que, nesta situação, não vos livraria de levar com a seringa das farturas. Ou imaginem quando eles lhes dizem: “ Só há isto para comer?” – e elas respondem: “ grão a grão enche a galinha o papo” (com certeza ela não se estava a referir à galinha da vizinha). Julgamo-nos sempre desajustados das situações e nas relações – ou não fossem eles de Marte e elas de Vénus. Mas afinal quando é que percebemos que elas é que mandam em Marte e que eles só são felizes em Vénus?
Vamos fazer aqui um pequeno exercício mental. Os opostos atraem-se ou não? Os semelhantes repelem-se? Esperem lá! Se os opostos se atraem, os homens não se deveriam sentir profundamente atraídos pelas mulheres, e vice-versa, e manterem-se juntos intemporalmente? E se os semelhantes se repelem não deveríamos ter especial atenção para um provável instinto assassino nos irmãos gémeos?
Pois é, chega a hora em que nos apercebemos que não há teorias que nos defendam para o facto de não estarmos atentos ao amor. Nem sempre o que luz é ouro e nem sempre o que brilha é prata (gostei deste pequeno apontamento). O que quer dizer que não vale a pena andarmos a adiar a felicidade por julgarmos que já está tudo visto. Deixemo-nos de teorias escritas por génios em “marketing” e que têm como único objectivo lançar mais um “best seller”. Não façamos complexas equações no que diz respeito às relações porque só há uma fórmula para a felicidade – somar-lhe sempre o que é bom e subtrair-lhe tudo o que é mau.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Pedrada no charco


Como atento que sou às novas tecnologias e às suas capacidades de nos manterem em contacto permanente com o mundo, venho constatar um facto que me tem tirado o sono (esta ultima parte não é verdade, até porque consigo dormir em qualquer sitio a qualquer hora. É so querer!). Gostava de partilhar convosco esta facilidade que temos desenvolvido de nos mostrarmos sem que tenhamos de nos expor. É confuso? Então passo a explicar: imaginem então uma daquelas noites que foram até ao Bairro e que, pelo meio de três mil olhares, seiscentos perfumes que se arrastam à passagem e mais uns tantos encontrões provocados pelas tonturas alcoólicas, descobrem uma pessoa com quem não se importavam mesmo nada de passar o resto da noite. Como é que fazem??? Pois é- nem sempre têm coragem de “meter conversa”. Mas afinal para que é que precisamos de coragem se temos as novas tecnologias? É neste momento que nos deliciamos por termos uns papás que adoram os filhos e que nos pagam uma mensalidade, às vezes a custo, para que possamos ter um “pc” com ligação à Internet ( para os mais evoluídos- um portátil, de preferência um Mac G4, com wireless).
Na tarde do dia seguinte, depois de se ter dormido mais de catorze horas devido ao cansaço ( sim, segurar um copo que varia de peso entre os 0,2 kg e os 0,5 kg durante horas, também cansa ), olhamo-nos ao espelho com medo do que se vai encontrar e logo nesse instante, sem sequer nos preocuparmos com a aparência, despertamo-nos com a lembrança, ainda que meio nublada, daqueles olhares que estivemos a trocar na noite passada com alguém que achámos interessante, apesar de não saber sequer o seu nome. Mas para que é que precisamos do nome? Afinal de contas temos Internet! Agora já so precisamos de nos lembrar de alguns rostos de quem a pessoa mistério se fazia acompanhar e em seguida correr para o computador. Depois de alguns fotos pesquisadas, de caras conhecidas, e de nomes familiares, descobrimos que afinal “aquela pessoa” pessoa tem nome, que gosta de praia, que também leu o “Código de Da Vinci”, que também gosta de reggae. Agora que já sabemos o seu nome e o estilo de vida, só precisamos de lhe deixar uma mensagem e esperar pela resposta. “MENSAGEM ENVIADA”. Agora é tarde para poder corrigir a palavra que afinal era com c e nao com s, ou até mesmo para reinventar a piada de forma a ficar mais interessante. Bem, resta esperar…
Segundo capitulo. Já temos resposta e podemos deixar mais uma piada e de preferência o número de telefone - como forma de convite a um novo contacto com menos “delay”.
O telefone, que o pai recebeu através dos pontos da empresa e ofereceu ao filhinho, toca. É o toque de mensagem. Pode ser que tenhamos sorte. E não é que ter deixado o número de telefone na mensagem da Internet funcionou mesmo?! Agora já só temos de puxar pela imaginação!
Que pessoa interessante! Tem uma voz linda, escreve bem, não fuma, bebe -mas só às vezes porque nem sempre arranja boleia, quer ter filhos, vai à missa e gosta de passear ao pé do rio. É espectacular. Ri-se das nossas piadas, responde sempre as nossas mensagens, e à noite, quando fala ao telefone, diz coisas queridas e sabe sempre dizê-lo de forma a que não nos esqueçamos daquele momento.
Já passou algum tempo desde que nos conhecemos mas ainda não estivemos juntos. Já foram feitas várias tentativas para que isso acontecesse mas o “timing” ainda não foi perfeito. Bem, o que interessa é que conhecemos a sua forma de rir, ou pelo menos o som do riso; a maneira como nos toca, ou melhor- a forma como diz que gostava de nos tocar; o cheiro que tem, quer dizer - o perfume que disse que usava; a forma como nos olha, bem, a forma como diz que se sente observada sem ter a nossa presença; e até mesmo os segredos que já nos revelou ao ouvido- através do telemóvel, eu sei, mas o telefone estava no ouvido. Que intimidade… que cumplicidade…
Mas de repente lembramo-nos que estivemos a revelar coisas que eram só nossas. Que dissemos quantos filhos queremos ter e de que forma os queremos educar.
Não sabemos como é que olha para nós quando a olhamos. Não sabemos como é que reage se, durante uma piada, lhe tocamos no braço. Não sabemos se a sua pele é suave. Não sabemos se quando abraça aperta. Não sabemos se quando chora fica com o nariz encarnado. Não sabemos porque razão não sabemos nada dela e achamos que sabemos tudo. Sabemos nada porque quisemos conhecer tudo sem ter a presença de alguma coisa. Mas foi tão fácil conhecê-la… Não, não foi conhecê-la, foi saber quem ela é!
Sabemos muito sem conhecer nada! E depois, quando estamos fisicamente com essa pessoa, percebemos que não beija como gostamos, que o “212 Carolina Herrera” fica com um odor diferente na pele dela, que quando abraça não aperta, que quando a olhamos nos olhos ela desvia o olhar, que não gosta de passear de mão dada, que depois de fazer amor não suporta a nudez e que não tem muito jeito para lidar com o silêncio.
E afinal para que queremos as novas tecnologias? Para nos fazer feliz? Para nos saborearmos com o sabor das coisas sem que elas nos alimentem? Para nos darmos intimamente sem que tenhamos de nos expor?
O amor é primitivo. Semeia-se de forma natural e cultiva-se com os sentidos!

Se esqueço que me calo e que ouço tanto silêncio, adormeço nessa fala que me diz mais do que lhe peço. Padeço dessa língua a que os Deuses deram vida e agora me enfeitiça num canto breve de harmoniosos silêncios e audazes transparências.
É de fome o espaço que se estende entre os dois.
E aos breves momentos de fala se substitui a vontade, que nos envergonha, e sem que uma ordem nos peça, se serpenteia e nos prova que ali se nasce. Deixa-te ficar. Fica por perto ainda que seja por mais um silêncio. Mas que seja esse, na ausência do que lhe peço, aquele que mais me conforta e no qual com saudosos sons te adormeço.

Origem dos contrários


Hoje comparei-te com o tempo. Vi que tinham semelhanças, tu e ele. O tempo vem vestido de eternidade e com promessas de ficar. Depois fica e em seguida vai. E como ele, tu apareces adornada dos mesmos trajes e com as mesmas juras. E chegas. E nesse segundo, tal como faz o tempo, chegas, ficas e vais. E quando vais, voltas. E os dois, geminados um do outro, aparecem, estão e partem.
E agora que ambos estavam - foram, e sem avisar voltaram.
Faço então do tempo meu aliado e de ti a minha casa. A ele roubo as horas e transformo-o em espaço e nada. A ti – petrifico-te na memória, embebedo-me num cheiro e sacio-me nesse aroma, para que quando chegares – seres, quando estiveres - ficares, e quando fores - não partires.